segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Hoje é tarde deemais ²

Quando eu o conheci não esperava grande coisa. Era talvez um cara legal. Não lembro como começamos a nos falar. Ele não tinha nada de perfeito. Era desajustado, desastrado, cheio de si e falava demais. Chegava a ser irritante a maneira como eu não conseguia tirar os olhos deles. Bastava que ele tropeçasse em uma cadeira ou falasse alguma coisa sem sentido para que eu lhe oferecesse um sorriso. Acho que no início eu não gostava muito dele. Aquela personalidade me tirava do sério. Sempre odiei caras como ele. Mas quando haviam apenas nós dois, suas sentenças ficavam frouxas e ele não sabia como se comportar, o que falar ou para onde olhar. Ele nunca me encarava por muito tempo. Bastavam nossos olhos se encontrar por dois segundos que ele desviava o olhar e um silêncio se instalava entre nós. Sempre depois desses segundos em silêncio ele fazia alguma coisa irritante, mas tão irritante que começávamos a brigar e eu agradecia a Deus por aquele silêncio estranho ter ido embora. Eu não sabia porque, mas eu até que gostava de brigar com ele. Sempre que ele não estava por perto parecia que estava faltando alguma coisa em mim. Meu coração ficava apertado e então eu corria para os braços dele procurando o pedaço que faltava. Mas essas coisas eu nunca tinha percebido até aquele dia...
Era uma manhã fria e eu estava sorrindo como sempre, mas por dentro eu me sentia sufocantemente solitária. Eu estava sentada sozinha no gramado da escola e de longe o vi se aproximando com um sorriso de lado e jeito de espertão. Eu odiava o jeito que ele andava. Sempre de cabeça erguida e nunca parecia preocupado com nada. Quando ele se aproximou eu senti aquela solidão aumentar e quando me dei conta eu já estava abraçando-o e encharcando o peito dele de lágrimas. Ele me abraçou apertado e ficou em silêncio por algum tempo. Eu o apertei mais ainda e foi nessa hora que eu percebi como eu me encaixava bem nos braços dele. Ele era alto e forte o suficiente para me tranquilizar com apenas um abraço. Dava para ouvir o coração dele batendo e eu estava começando a me perder no cheiro de suas roupas quando ele finalmente me perguntou o que estava acontecendo. Sorri e olhei bem dentro de seus olhos agradecendo por ele ter me emprestado seu colo. Desejei abraçá-lo de novo, mas resolvi ir embora antes que as coisas ficassem mais estranhas.
Eu estava confusa. Ele era tão... irritante. E ao mesmo tempo tão gentil... Mas eu não podia me dar o direito de gostar dele. A gente parecia dois ímãs de mesmo polo e nunca conseguíamos ficar perto um do outro sem acabar discutindo. Naquele tempo eu já estava tão ridiculamente apaixonada, que a possibilidade dele se afastar de mim me assustava. Depois daquele abraço as coisas começaram a ficar estranhas entre nós e eu me perguntava se ele tinha percebido alguma coisa e achado ruim. Então um dia ele me disse que queria conversar. Fiquei ansiosa e achei que talvez resolveríamos aquela bagunça entre nós. Nenhum lugar parecia confortável para essa conversa, mas ela aconteceu mesmo assim. Ou deveria ter acontecido. Quando ficamos sozinhos ele começou a falar coisas sem sentido e acabou indo embora me deixando sozinha. Não entendi nada, mas resolvi deixar passar. Não queria piorar a situação.
Acabou a escola, veio a faculdade e nós nos afastamos. Eu me foquei nos estudos. Idealizei uma carreira e fiz o possível para persegui-la. Já ele foi viver a juventude. Sempre estava em festas e sempre havia uma garota nova. Um dia ele apareceu em minha casa e me chamou para sair. Ele estava sorridente como sempre e eu achei que era algo casual, um reencontro de velhos amigos. Saímos e estava tudo tranquilo até que ele disse que me amava. Me assustei com a revelação. Não sabia o que falar. Comecei a relembrar de tudo o que vivemos até ali. Me perguntei porque ele resolveu me falar aquilo naquela hora. Talvez ele estivesse apenas se sentindo sozinho e resolveu me procurar. Ele pegou minha mão, encostou a cabeça em meu ombro e ficou em silêncio esperando uma resposta. Eu queria saber o que estava acontecendo realmente. Resolvi perguntar porque ele resolveu me dizer aquilo depois de tanto tempo e quando comecei a falar ele me cortou e disse que éramos amigos. Então eu entendi que tipo de declaração era aquela. Eu tinha entendido tudo errado. Ele estava apenas me dizendo que sentia falta da nossa amizade. Fiquei constrangida e resolvi não tocar mais no assunto. Depois desse dia quase não nos falamos mais.
Agora, 15 anos se passaram. Ele tem um filho e amanhã é o dia do meu casamento. Ele foi convidado pelo meu noivo e na verdade já tem alguns minutos que ele está sentado em minha frente dizendo o quanto me amou nesses últimos quinze anos. Ele está me falando sobre as vezes que tentou se declarar e não conseguiu porque achava que para mim ele era apenas um bom amigo. Amigo? Um amigo que eu tanto amei? Um amigo que sempre me amou? Um amor que nunca floresceu por causa da inseguranças de dois... amigos? Meu Deus, como fomos bobos! Tanta felicidade desperdiçada! Se ele tivesse tido coragem antes... Se eu tivesse tido coragem antes... Foram quinze anos de amor não vivido e que agora... Agora nada. Amanhã eu me caso com o amigo dele e ele sabe disso. E eu sei disso.
Quinze anos de amor não vivido e hoje eu estou mais uma vez chorando por desejar tão fortemente aquele mesmo abraço de quinze atrás. É que, sabe, amanhã eu me caso e não há mais nada que possamos fazer. Não, não há.
                            

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